Se olharmos para a Lua numa noite limpa através de um simples par de binóculos, veremos inúmeras crateras. Algumas têm mais de 1.000 km em diâmetro e são facilmente visíveis a olho nu. Durante os primeiros 500 milhões de anos da história do Sistema Solar, tanto a Lua como a Terra eram constantemente bombardeadas por meteoritos e cometas. Alguns cientistas até pensam que a vida foi trazida para a Terra por cometas. A Lua preservou os restos de milhares de impactos, mas na Terra apenas se conhecem cerca de 180 estruturas de impacto, e a maioria delas são muito pequenas, jovens e rapidamente sofrem erosão. Ao contrário da Lua, a Terra é um planeta dinâmico com placas tectônicas, cinturas montanhosas e erosão, o que significa que a maioria das estruturas de impacto é facilmente destruída, quer seja pelo processo de construção de montanhas ou subterradas por depósitos mais jovens ao longo do tempo. Até recentemente, a cratera Vredefort na África do Sul, com 2,02 bilhões de anos e 300 km de diâmetro, era considerada tanto a mais antiga como a maior estrutura de impacto na Terra. Estima-se que o meteorito tinha um diâmetro de aproximadamente 15 km. Durante o desenvolvimento da estrutura final da cratera, uma camada de rochas sedimentares com um quilômetro de espessura, contendo os maiores depósitos de ouro do mundo, colapsou na cavidade escavada pelo meteorito e deste modo ficou protegida da erosão e preservada até hoje. A segunda maior estrutura de impacto na Terra, a antiga cratera Sudbury no Canadá, com 1,85 bilhões de anos, também contém depósitos minerais - neste caso minerais ricos em níquel que foram derretidos e concentrados pelo calor extremo provocado pelo impacto. No dia 3 de Setembro de 2009, os restos de uma estrutura de impacto ainda maior e mais antiga, perto de Maniitsoq (Sukkertoppen) na Gronelândia foram "descobertos" num escritório em Copenhagen, mais especificamente na sede da GEUS (Geological Survey of Denmark and Greenland). A pedido do seu empregador, o cientista Adam A. Garde preparava-se para um workshop sobre ocorrências de níquel e platina na região de Maniitsoq na Gronelândia Ocidental. A reunião foi organizada pela companhia de exploração NunaMinerals A/S e teve lugar na semana seguinte em Nuuk, Gronelândia. Durante as suas preparações dessa manhã de quinta-feira, Adam subitamente viu uma explicação simples e extrema para várias características geológicas estranhas nesta região. Já tinha trabalhado com estes fenômenos várias vezes durante a sua carreira, mas nunca os tinha compreendido, embora até tenham constituído o suporte principal da sua tese científica em 1997. Desde que a idéia de um impacto de meteorito surgiu em Setembro de 2009, um pequeno grupo de cientistas do GEUS, da Universidade de Lund na Suécia, da Universidade de Cardiff no País-de-Gales e do Instituto de Ciências Planetárias em Moscovo investigava, documentava e modelava a estrutura de impacto, e o primeiro artigo científico foi recentemente publicado na revista Earth and Planetary Science Letters. A equipe conseguiu visitar a estrutura de impacto em 2010 e 2011, primeiro com o auxílio de um helicóptero e depois de barco, levando a cabo um estudo mais íntimo, no próprio local, das rochas afetadas pelo impacto. Atualmente não existem expressões superficiais óbvias da estrutura de impacto. As rochas desta parte da Gronelândia têm mais de 3 bilhões de anos, cerca de dois-terços da idade da Terra, e o próprio impacto teve lugar exactamente há 3001 ± 2 milhões de anos atrás no meio de uma região onde a construção de montanhas tinha lugar cativo e num local muito provavelmente parecido com o arquipélago japonês de hoje em dia. É possível ou até provável que o meteorito tenha atingido o mar, pois as rochas preservadas foram intensamente alteradas pela circulação de fluídos aquosos e quentes. Estes líquidos foram provavelmente derivados de água do mar que teria sido capaz de penetrar bem a crosta da Terra através de inúmeras fissuras e zonas de queda geradas pelo impacto. Durante os 3 bilhões de anos que seguiram o impacto, o solo sofreu erosão até uma profundidade de 25 km abaixo da superfície original, e recentemente também foi esculpida e escavada pela camada de gelo da Gronelândia. Todas as partes externas da estrutura de impacto há muito que desapareceram, mas os efeitos do intenso choque penetraram bem dentro do interior da Terra e estes são visíveis ainda hoje. O invulgar tamanho do corpo extraterrestre impactante e a forte gravidade da Terra (comparada, por exemplo, com a da Lua) implica que muito do material esmagado e derretido permaneceu a profundidades em vez de ser expulso verticalmente e lateralmente a partir do centro durante os primeiros segundos do impacto, como acontece com todas as outras estruturas de impacto da Terra. Boris A. Ivanov do Instituto de Ciências Planetárias, da Academia Russa de Ciências em Moscovo, levou a cabo uma série de cálculos de modelos, que sugerem que o meteorito que colidiu com a Terra em Maniitsoq possa ter tido um diâmetro de mais de 30 km, isto é, o dobro do tamanho do meteorito Vredefort, e uma massa dez vezes maior. Se este meteorito tivesse atingido a Lua, a estrutura de impacto final teria tido um diâmetro bem acima dos 1.000 km e seria facilmente visível da Terra. No entanto, devido à muito maior gravidade do nosso planeta, a estrutura de Maniitsoq poderá ter tido um diâmetro de apenas 500 a 600 km. Se um impacto deste tamanho atingisse a Terra hoje, não só pulverizava uma região nacional média, como os seus efeitos globais matariam toda a vida superior na Terra. Nessa altura, há 3 bilhões de anos atrás, não havia grande vida para extinguir, apenas algas e cianobactérias, mas até agora não foram identificados depósitos rochosos com a mesma idade que pudessem esclarecer os efeitos do impacto Maniitsoq, tais como tsunamis extremos, depósitos de partículas atmosféricas recondensadas a partir do meteorito evaporado ou outros sinais de efeitos globais atmosféricos e oceânicos. Porque é que estas antigas estruturas de impacto são de interesse para a Humanidade? Existem várias razões óbvias. Primeiro, devido aos ricos legados de minerais, petróleo e gás ou recursos de água que tais estruturas providenciam. A descoberta de um impacto gigante em Maniitsoq promove a exploração do níquel na região. Em segundo lugar, quanto mais informações tivermos sobre estes processos extremamente complexos e velozes, melhor o nosso conhecimento da acreção inicial do Sistema Solar, e as pequenas crateras de meteoritos foram usadas para modelar a ligação com testes nucleares durante a Guerra Fria. No entanto, o dano físico até das maiores bombas nucleares é minúsculo quando comparado com o impacto de um modesto meteorito na classe dos 100 metros. Finalmente, os impactos de meteoritos e cometas representam um contato com o espaço - um tema que continua a fascinar os filósofos, artistas e crianças de todas as idades. Porque é que se passaram quase três anos desde a descoberta da estrutura de Maniitsoq até à publicação numa revista científica? Existem várias explicações. Em primeiro lugar, a idéia era tão radical que o grupo de pesquisa quis levar a cabo mais trabalho de campo para ter a certeza dos seus achados. Em segundo lugar, o enorme tamanho da estrutura e grande profundidade inicial dos seus restos significa que os critérios técnicos mais usados para identificar impactos hipervelozes não podem ser usados diretamente. Os efeitos de um impacto gigante em rochas a grande profundidade e a uma temperatura ambiente de 800º C são, de várias maneiras, qualitativamente diferentes das rochas subsuperficiais ou superficiais mais frias - os alvos de todas as outras estruturas de impacto conhecidas - e tem sido difícil convencer a comunidade a aceitar as evidências. Tem sido um processo lento de documentar as características extraordinárias que caracterizam a estrutura de Maniitsoq e estudar as evidências até que se tornassem avassaladoras.
Créditos: Astronomia On-line
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