sábado, 26 de julho de 2014

Fermi encontra um pulsar "metamórfico"

No final de Junho de 2013, um binário excepcional contendo uma estrela de nêutrons veloz e rodopiante sofreu uma mudança dramática de comportamento, mudança esta nunca antes observada. De acordo com o Telescópio Espacial Fermi da NASA, o "farol" de rádio do pulsar desapareceu e, ao mesmo tempo, o sistema aumentou cinco vezes de brilho em raios-gama, a forma mais poderosa de radiação eletromagnética. "É quase como se alguém tivesse carregado num botão, transformando o sistema de um estado de baixa energia para um de maior energia," afirma Benjamin Stappers, astrofísico da Universidade de Manchester, Inglaterra, que liderou o esforço internacional com o objetivo de compreender esta impressionante transformação. "A mudança parece refletir uma interação errática entre o pulsar e a sua companheira, o que nos dá uma oportunidade para explorar uma fase de transição rara na vida deste binário." Este sistema em particular, conhecido como AY Sextantis, está localizado a cerca de 4000 anos-luz na direção da constelação de Sextante. O par é constituído por um pulsar de 1,7 milissegundos, chamado PSR J1023+0038 - ou J1023 - e por uma estrela que contém aproximadamente um-quinto da massa do Sol. As estrelas completam uma órbita em apenas 4,8 horas, o que as coloca tão próximas que o pulsar está gradualmente evaporando a sua companheira. Quando uma estrela maciça colapsa e explode como supernova, o seu núcleo esmagado pode sobreviver como um remanescente compacto chamado estrela de nêutrons ou pulsar, um objeto que "aperta" mais massa que o Sol numa esfera não muito maior que uma grande cidade. Estrelas de nêutrons jovens e isoladas rodam dezenas de vezes por segundo e geram feixes de rádio, luz visível, raios-X e raios-gama que os astrônomos observam como pulsos sempre que estes feixes ficam apontados para a Terra. Os pulsares também criam fluxos poderosos, ou "ventos", de partículas altamente energéticas que se movimentam quase à velocidade da luz. Todo este poder vem do campo magnético do pulsar, que gira muito rapidamente. Com o passar do tempo, à medida que os pulsares se "acalmam", estas emissões desvanecem. Há mais de 30 anos atrás, os astrônomos descobriram outro tipo de pulsar, que roda em 10 milissegundos ou menos, atingindo velocidades de rotação até 43.000 rpm. Enquanto os pulsares jovens normalmente aparecem isolados, mais de metade dos pulsares de milissegundo são encontrados em sistemas binários, o que sugere uma explicação para a sua rápida rotação. "Os astrônomos já suspeitavam que os pulsares de milissegundo eram alimentados pela transferência e acumulação de matéria das suas estrelas companheiras, por isso muitas vezes são chamados de pulsares reciclados," explica Anne Archibald, investigadora pós-doutorada do Instituto Holandês de Radioastronomia (ASTRON) em Dwingeloo, que descobriu J1023 em 2007. Durante a fase inicial de transferência de massa, o sistema poderia ser considerado um binário de raios-X com baixa massa, em que uma estrela de nêutrons mais lenta emite pulsos de raios-X à medida que o gás quente se desloca para a sua superfície. Bilhões de anos mais tarde, quando o fluxo de matéria chega ao fim, o sistema seria classificado como um pulsar de milissegundo acelerado e com emissões de rádio alimentadas por um campo magnético de rápida rotação. Para melhor compreender a rotação e evolução orbital de J1023, o sistema tem sido monitorizado regularmente no rádio, usando o Telescópio Lovell no Reino Unido e o WSRT (Westerbork Synthesis Radio Telescope) na Holanda. Estas observações revelaram que o sinal de rádio do pulsar foi desligado e isso desencadeou a busca por uma mudança associada nas suas propriedades de raios-gama. Apesar de J1023 ter alcançado energias muito mais altas e estar consideravelmente perto, ambos os binários são muito parecidos. O que está acontecer, dizem os astrônomos, são os últimos suspiros caóticos dos processos de rotação destes pulsares. Em J1023, as estrelas estão muito mais próximas uma da outra, assim que uma corrente de gás flui da estrela companheira para o pulsar. A rápida rotação do pulsar e o seu intenso campo magnético são os responsáveis tanto do feixe de rádio como do poderoso vento pulsar. Quando o feixe de rádio é detectável, o vento pulsar retém a corrente de gás da companheira, impedindo-a de se aproximar. Mas de vez em quando a corrente ganha, aproximando-se do pulsar e estabelecendo um disco de acreção. O gás no disco torna-se comprimido e quente, atingindo temperaturas suficientemente altas para emitir raios-X. De seguida, o material ao longo da orla interior do disco perde energia rapidamente e cai em direção ao pulsar. Quando atinge uma altitude de aproximadamente 80 km, os processos que envolvem a criação do feixe de rádio ou são desligados ou, mais provavelmente, obscurecidos. A borda interna do disco provavelmente flutua consideravelmente a esta altitude. Certas partes podem acelerar para fora quase à velocidade da luz, formando jatos duplos de partículas disparados em direções opostas - um fenômeno mais tipicamente associado com a acreção de buracos negros. As ondas de choque dentro e ao longo da periferia destes jatos são provavelmente a fonte da brilhante emissão de raios-gama detectada pelo Fermi. A equipe relata que J1023 é o primeiro exemplo, já observado, de um binário de raios-gama de baixa massa, compacto e transeunte. Os investigadores esperam que o sistema sirva como um laboratório único para a compreensão de como os pulsares de milissegundo se formam e para estudar os detalhes de como a acreção ocorre em estrelas de nêutrons. "Até agora, o Fermi aumentou o número de pulsares de raios-gama conhecidos por cerca de 20 vezes e duplicou o número de pulsares de milissegundo dentro da nossa Galáxia," afirma Julie McEnery, cientista do projeto para a missão, do Centro de Vôo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado americano de Maryland. "O Fermi continua a ser um motor incrível de descobertas de pulsares."


Fonte: Astronomia On-line

Nenhum comentário:

Postar um comentário